A cada período eleitoral os partidos políticos lançam plataformas detalhando suas promessas passo a passo. Essas plataformas não são seguidas à risca — políticos raramente cumprem suas promessas e muitas vezes é até melhor que não as cumpram — mas oferecem um esboço da visão de mundo que cada partido diz representar. Anarquistas têm uma abordagem diferente: em vez de oferecer um projeto pré-fabricado, propomos trabalhar as coisas em coletivo, de forma dinâmica, em acordo com os princípios de autodeterminação, horizontalidade, apoio mútuo e solidariedade. Ainda assim, sempre que as pessoas têm contato com ideias anarquistas pela primeira vez, sempre tem alguém que quer ver um modelo claro. Para responder a isso, reunimos um exemplo de programa anarquista — um conjunto de propostas que poderiam ser colocadas em prática no decorrer de uma revolução — como um exercício imaginativo, para tornar mais fácil imaginar que tipo de mudanças práticas anarquistas podem querer aplicar aplicar.
Para deixar claro, este programa não representa nosso coletivo como um todo, nem o movimento anarquista internacional. Devem haver tantos programas quanto anarquistas no mundo. Ao ler isso, reflita sobre o que ressoa e o que não ressoa; pense sobre quais mudanças você deseja fazer no mundo e quais meios de mudança são consistentes com seus valores e desejos.
Como Usar Esse Programa
O que temos a seguir é o oposto de um programa político comum. Não está entalhado em pedra e não pretende representar uma vontade geral, o público, o povo ou qualquer abstração desse tipo.
Anarquistas entendem a liberdade como decorrente de um processo contínuo; é algo que criamos individualmente e em comunidade todos os dias de nossas vidas. Na nossa opinião, a liberdade não pode ser definida por um pedaço de papel em uma urna, nem concedido a nós por uma instituição que concentra todo o poder de decisão e implementação. Cada uma dessas práticas, na verdade, destrói a liberdade. Acreditamos também que definir e alcançar liberdade para nós mesmas é a melhor forma de garantir nosso bem-estar.
As análises anarquistas do capitalismo, do estado, do patriarcado e do colonialismo se mostram úteis em inúmeras lutas sociais nas últimas décadas, assim como nossas críticas ao reformismo, revolução autoritária e esquerda institucional. E, talvez o mais importante, assim mostraram nossas práticas de apoio mútuo e auto-organização. As formas anarquistas de luta também se mostraram compatíveis com uma série de outras lutas que deixaram sua marca no mundo, bem como influenciar e informar o anarquismo como um conceito vivo.
Não apresentamos um programa com a premissa de que podemos reivindicar uma verdade absoluta, nem de que esse programa possa abordar todas as visões de libertação com as quais atuamos solidariamente. Além de apresentar uma visão completa, ainda achamos a necessidade de expressar alguma visão, não importa quão parcial. A experiência recente mostrou que não podemos vencer uma revolução que nem sequer somos capazes de imaginar.
Esse é o principal propósito deste documento: ajudara a imaginar que mudanças começaríamos a trabalhar em se nós conseguíssemos abolir o governo ou criar uma zona autônoma. Nenhuma proposta aqui é uma verdade absoluta que queremos impor, forçando todo mundo a apoiar uma única visão do que é liberdade e revolução. Em vez disso, este documento oferece um jeito de ver princípios e objetivos que muitos de nós lutariam por, que inevitavelmente mudariam e cresceriam ao longo do caminho enquanto entramos em conflitos e diálogos com outras pessoas com outras visões. O ponto não é convencer todo mundo de que nossa visão de liberdade é a correta. Estaremos mais livres quando cada um de nós puder imaginar nosso melhor mundo possível a cada momento.
Nem as pessoas escrevendo, publicando e traduzindo acham que este documento é um programa político válido ou uma proposta completa. Nossa esperança é que isso servirá de um ponto de partida para discussão e debate, ajudando pessoas a articular visões semelhantes, conflitantes ou simplesmente diferentes. Quanto mais pessoas imaginarem o mundo dos seus sonhos e refletirem sobre como incontáveis tais mundos podem caber em um único mundo, rompendo com o projeto homogeneizador ocidental, maior será nossa inteligência coletiva.
Este programa lida com alguns tópicos doloridos que nenhum único coletivo tem o direito de decidir sobre. Nós concluímos que seria menos danoso abordar estes tópicos de forma imperfeita do que evitá-los completamente e fingir que eles não existem. Nós esperamos que nossas tentativas inadequadas irão inspirar outros a fazerem melhor. A incompletude deste programa expressa um princípio anarquista fundamental: ninguém nunca pode expressar as necessidades de todo mundo. O que quer que esteja faltando, cabe a você preencher, e a todos nós apoiar uns aos outros durante o processo de cumprirmos isso juntos.
No fim deste documento, existe um pequeno glossário que explica o que queremos dizer quando usamos certos termos.
Um Programa Anarquista
0. Os Fins São os Meios
Pessoas que apoiam um programa anarquista vivem e se organizam de modo que faz o programa ser possível imediatamente, não apenas em um futuro distante após um partido ditatorial ter chegado ao poder. Isso representa um jeito completamente diferente de criar poder agora.
Nada neste programa, nem a abolição do estado, justifica meios de luta que seriam condenados no mundo que desejamos habitar, nem o adiamento de questões de liberdade e bem-estar até depois de um estado de exceção que nós pintaríamos de revolução..
1. Sobrevivência Mútua
No capitalismo, ninguém tem direito a sobrevivência. Nos forçam a pagar pelos meios de sobrevivência — e algumas de nós não conseguem. Milhões de pessoas morrem todos os anos por causas facilmente prevenidas; bilhões vivem na miséria pois são negadas os meios para uma vida digna e saudável. Isso acaba agora.
A. Toda pessoa e comunidade tem o direito a acesso a seus meios de sobrevivência.
B. Segue-se que pessoas e comunidades que escolheram se constituir de uma forma que destrói os meios de sobrevivência do outro, ou que retém aqueles meios em troca de algum serviço (exploração), estão destruindo a possibilidade de sobrevivência mútua. Portanto, seu “jeito de viver” não constitui sobrevivência — coloca a sobrevivência em risco.
C. Pessoas e comunidades estão corretas em se defender contra exploração ou ameaças a seus meios de sobrevivência, preferencialmente através do convencimento de quem lhes ameaça ou explora para que mude seu jeito de viver para um padrão mais harmonioso e mutuamente factível — mas também através da força, se necessário.
D. Conflitos e morte sempre foram uma parte da vida e continuarão sendo assim no futuro previsível. Com as tecnologias atuais, tentativas de afastar a morte são predicadas em multiplicar mortes dentre aqueles que pecam acesso a a tais tecnologias. Segue-se que sobrevivência não é a falta da morte, mas a possibilidade de uma vida saudável e gratificante, assim como a possibilidade de passar algo daquela vida para futuras gerações.
E. Nesse sentido, o oposto da vida não é a morte, mas o extermínio, a aniquilação total de um grupo, incluindo até a destruição da memória daquele grupo. O extermínio pertence ao estado. Isto exclui a possibilidade da sobrevivência mútua.
2. Descolonização
Colonização é crucial para a propagação global do capitalismo e a devastação que isto implica. Esta devastação tem repercussões constantes em todos os níveis. Colonização é a base dos estados-nacionais, seja no Brasil ou nos EUA; também é fundacional para os maiores estados europeus que funcionaram como arquitetos do atual sistema global de estatismo e capitalismo. As revoluções parciais do século XX não alteraram as estruturas coloniais que elas herdaram. Tudo isso deve mudar.
A. Povos colonizados têm o direito a reconstituir suas comunidades, línguas, sistemas de conhecimento, territórios e sistemas organizacionais. Todas essas são realidades fluídas que membros de tais comunidades adaptam à suas necessidades presentes.
B. Sociedades coloniais devem ser destruídas. Pelo fato de estarem tão encravadas na história, sua abolição não será um único momento de compensação (como se um preço pudesse ser colocado em todo o sofrimento que foi causado), mas sim um processo complexo e evolutivo. Comunidades indígenas deveriam definir como deve ser a descolonização parece através de uma posição de poder e cura, como a abolição dos Estados Unidos, Chile, Brasil e outras nações permitirão. Isso também é necessário para romper com a “diplomacia das canhoneiras” que caracterizou muito do colonialismo onde acordos eram formados segundo interesses de quem tem maior poder militar.
C. Por definição, não poderemos nem definiremos os limites da descolonização no momento presente, dentro de uma sociedade colonial. Anarquistas, Indígenas ou não, favorecem modelos de descolonização que rompem com lógicas coloniais e repudiam estados-nação, essencialismo étnico, práticas punitivas e genocidas e meras reformas sobre quem retém o poder do estado.
D. Comunidades coloniais que historicamente e atualmente desempenham o papel de um vizinho agressivo e hostil que ajuda a policiar e explorar povos nativos no sistema de reservas serão encorajadas a se dissolver e serão tratadas como milícias paramilitares se continuarem com qualquer forma de hostilidade. Todos os canteiros de obras em terras indígenas serão dissolvidos imediatamente e recursos serão dedicados a ajudar a procurar mulheres e pessoas não-binárias nativas desaparecidas.
E. Universidades, museus e outras instituições devolverão todos os corpos, partes de corpos, arte e artefatos roubados de comunidades Indígenas.
F. Será garantido que comunidades Indígenas recuperem todo o território que necessitam para sua sobrevivência cultural, espiritual e material.
G. Prioridade talvez seja dada para a recuperação de terra com importância espiritual, terra que pertencia ao governo e grandes propriedades comerciais — porém, novamente, limitações preconcebidas não devem ser colocadas em como a descolonização irá se desdobrar.
H. Comunidades em países que realizaram projetos coloniais no exterior (Ex: Reino Unido, Espanha, França) irão facilitar uma transferência em larga escala de recursos úteis expropriados de seus governos abolidos, dos ricos e de instituições que serviram os ricos (Ex: hospitais privados). Esses recursos irão para comunidades nas ex-colônias.
3. Reparações e o Fim do Racismo
Racismo1 e outras formas de discriminação são fundamentais para a atual estrutura de poder. Elas surgiram do colonialismo e do capitalismo desde seu início, a tal ponto que o capitalismo é inseparável do racismo, embora o racismo possa tomar diversas formas. É impossível abolir completamente estas estruturas de poder sem atacar o legado histórico do racismo.
A. As comunidades de pessoas descendentes de sobreviventes da escravidão têm o direito de assumir grandes propriedades que antes eram lavouras, bem como o excedente de riqueza de famílias e instituições que lucraram com o trabalho escravo. Essa redistribuição deve ser realizada em nível comunitário, e não individual, para evitar encorajar processos identitários que declaram indivíduos legítimos ou ilegítimos com base em critérios abstratos. Quem organiza uma expropriação coletiva ou comunitária tem o direito de definir suas próprias experiências e como a opressão as afetou historicamente, bem como de escolher como se constituir e quem convidar para sua comunidade.
B. Bairros historicamente racializados que foram gentrificados podem ser retomados. Porque muitos bairros, antes da gentrificação, são de fato bastante diversos e pessoas da classe trabalhadora de todas as raças podem perder suas casas, aqueles que estão envolvidos em lutas por moradia e antirracistas no momento da revolução podem formar assembleias para organizar o processo de convidar pessoas de volta a bairros recuperados, por exemplo, priorizando moradores anteriores ou seus filhos, e encontrando maneiras de encontrar um equilíbrio entre revitalizar culturas negras, indígenas e outras de resistência e criar práticas de solidariedade interracial que destruam as segregações e divisões do racismo.
C. Pessoas em bairros com infraestruturalmente insalubre ou degradante, que sofrem com o racismo ambiental ou outros efeitos nocivos que continuarão causando problemas de saúde no futuro próximo, podem expropriar e se mudar para bairros ricos (preferencialmente visando os mais ricos). Os moradores anteriores desses bairros podem se mudar para o bairro desocupado e precário com o objetivo de melhorá-lo por meio de seu próprio esforço e recursos, ou podem se mudar para outras moradias não utilizadas, das quais há muito, graças aos mercados imobiliários capitalistas.
D. Armas tomadas da polícia e dos militares dissolvidas serão distribuídas entre comunidades negras, indígenas e outras comunidades racializadas; e para milícias voluntárias que lutaram inequivocamente do lado antirracista durante todo o conflito revolucionário. As comunidades decidirão o que deve ser feito com as armas — se distribuí-las, armazená-las ou desmontá-las.
E. Recursos relacionados à educação e saúde podem ser retirados de bairros ricos para o benefício de bairros racializados.
F. O ônus recai sobre os anticapitalistas brancos, ou mais corretamente, anticapitalistas em processo de ruptura definitiva com sua branquitude, trabalhando com outros brancos para alcançar um processo de reparação o mais pacífico possível, para ajudá-los deslocar-se para outros bairros ou territórios no caso de serem despejados, para suavizar sua chegada e ajudá-los a encontrar os meios para uma sobrevivência digna, sem criar identidades arraigadas ou ressentimentos que possam fomentar conflitos intergeracionais ou manter viva a branquitude.
G. Assembléias de pessoas comprometidas com as causas relevantes no momento da revolução estabelecerão comitês de verdade e reconciliação para lidar com quaisquer atrocidades racistas que sejam trazidas à sua atenção, como as esterilizações forçadas realizadas nas prisões e centros de imigração. Os processos para descobrir a verdade sobre tais atrocidades e alcançar algum tipo de reconciliação não serão puramente simbólicos e não precisam deslegitimar atos pessoais de vingança, mas lutarão por alguma forma de cura coletiva e justiça transformadora em vez de medidas punitivas e carcerárias.
Todos os seguintes pontos do programa dependem dos pontos 1-3 serem colocados em movimento de forma satisfatória para aqueles que sofreram supremacia branca, colonização e capitalismo racista. Os direitos e princípios do ponto 4, por exemplo, sobre o acesso à terra, não devem ser usados para frustrar os esforços das comunidades indígenas para recuperar suas terras.
4. Terra
A maneira como o capitalismo e a civilização ocidental nos ensinaram a pensar sobre a terra e a maneira de tratá-la nos levou à beira do desastre. O paradigma da terra como propriedade, como recurso a ser explorado é, ao mesmo tempo, um fracasso e uma caricatura. A mercantilização da terra tem sido fundamental para o colonialismo e a exploração, enquanto a medição, demarcação e afirmação do domínio sobre a terra tem sido central para o estado ao longo de sua história.
A. A terra é uma coisa viva. A terra não pode ser comprada e vendida.
B. A terra pertence a quem pertence a ela, ou seja, a quem dela cuida e a quem dela se sustenta.
C. A terra deve ser respeitada. As comunidades devem considerar a particularidade da terra e todos os outros seres que existem em relação a ela. A ideia de que apenas humanos de um tipo predeterminado têm particularidade é responsável por grande parte do desastre que enfrentamos.
D. A terra é a base da sobrevivência e toda a terra está interligada.
E. Isso implica que a defesa da terra é autodefesa e, portanto, é correta.
F. Uma comunidade que existe em uma relação íntima e localizada com a terra, ou uma comunidade que historicamente teve essa relação e provou ser uma boa administradora da terra, provavelmente saberá melhor se relacionar com um território específico. Outros devem se submeter a eles em questões relacionadas à defesa e cuidado da terra.
G. É responsabilidade de todas as comunidades ajudar e acompanhar a terra enquanto ela se recupera de séculos de exploração pelo capitalismo e pelo estado.
5. Água
Água é Vida
A. Todas as comunidades devem retornar a água que utilizam ao rio, lago ou aquífero da forma mais limpa o possível.
B. Todas as comunidades têm a responsabilidade de ajudar a tratar e purificar suas bacias hidrográficas após séculos de agressão capitalista.
C. Tendo em vista as mudanças climáticas, a desertificação e todas as outras formas de danos ao planeta, todas as comunidades têm a responsabilidade de adaptar seus modos de vida em caso de escassez de água e de se ajudarem a migrar se a crescente escassez de água e a desertificação tornarem impossível uma sobrevivência digna.
D. Em caso de escassez de água, a prioridade para o uso da água é dada a formas localizadas de agricultura sustentável e à preservação dos habitats de outras formas de vida.
E. Poluir a água ou usá-la a ponto de outras comunidades que usufruem do mesmo rio ou aquífero não terem o suficiente para uma sobrevivência digna é um ato de agressão.
F. As comunidades devem responder aos ataques às suas águas com tentativas de diálogo e negociação, mas se essas tentativas forem infrutíferas, elas têm o direito de se defender.
6. Fronteiras
O sistema global que estamos abolindo é baseado em estados nacionais que afirmam sua soberania sobre fronteiras claramente demarcadas, alternadamente cooperando ou competindo entre si na acumulação capitalista e na guerra. Estados-nação sempre trouxeram padronização cultural, linguística, mas também massacres e genocídios. As fronteiras se revelaram mecanismos extremamente mortais nesse processo, portanto, devem ser abolidas.
A. Pessoas e povos decidem em conjunto de quais comunidades desejam fazer parte e como desejam ser constituídas, respectivamente. Este é o princípio da associação voluntária.
B. Todos em conjunto, da melhor maneira possível, desenvolveremos princípios de Liberdade de Movimento, balanceando com respeito pelas comunidades que são guardiãs dos territórios que outros desejam se atravessar ou se instalar. Estes dois princípios necessitam da abolição das fronteiras e a abolição do turismo individualista. É razoável para comunidades que existam em relação a um território específico que esperem ter sua privacidade preservada e ter respeito básico de quem as visita; ao mesmo tempo, é bom que pessoas possam se mover livremente em busca de uma vida melhor ou pelo simples fato de isso lhes trazer alegria e bem estar. Estes dois direitos podem, eventualmente, entrar em conflito. Comunidades e indivíduos comprometem-se a resolver esses conflitos da maneira mais construtiva possível.
C. Comunidades comprometem-se a oferecer hospitalidade básica e conduta segura a migrantes. Isso pode incluir migrantes que querem retornar à sua terra, tendo sido forçados a emigrarem por causa dos efeitos do capitalismo. Isso pode incluir a migração de comunidades inteiras fugindo dos efeitos de longo prazo do racismo ambiental.
D. Comunidades coordenarão entre si através de territórios como acharem melhor. Isso pode incluir federações organizadas ao redor de linhas linguísticas (por uma questão de conveniência), coordenando comunidades e indivíduos que compartilham uma fonte d’água, etc. Anarquistas recomendam formas redundantes e sobrepostas de organização, bem como participação em comunidades múltiplas, para resistir à reprodução potencialmente militarista de unidades fronteiriças ou identidades essencialistas.
7. Moradia
Até governos que garantem o direito à moradia em suas constituições falham em fornecer de fato esta necessidade básica. Como Malatesta disse, o capitalismo é o sistema onde pedreiros não tem casas pois existem casas demais.
A. Casas pertencem a quem vive nelas.
B. Ninguém tem o direito a ter mais casas do que necessita. Isso não deveria ser reduzido ao princípio de “uma família, uma casa” por causa do perigo de normalizar um modelo da família e pelo fato de algumas famílias dinâmicas incluírem movimentação entre múltiplas residências, também para respeitar sociedades organizadas ao redor de migrações sazonais. Porém, isso significa que as “casas de praia” (ou qualquer moradia que passa a maior parte do tempo desocupada, sendo usada apenas em datas festivas) dos ricos podem ser expropriadas por aqueles que precisam de acesso à terra ou moradia decente.
C. Moradia não é uma mercadoria que pode ser comprada ou vendida.
D. Comunidades se certificarão que todos seus membros tem moradia digna e então ajudarão comunidades vizinhas a achar os recursos que elas necessitam para atender suas necessidades habitacionais.
E. Anarquistas encorajarão a transformação da habitação, que o desenvolvimento imobiliário capitalista e o planejamento urbano utilizaram especificamente para promover famílias nucleares patriarcais. As pessoas são encorajadas a mudar seus espaços vitais de uma forma que possibilite mais práticas comunitárias de parentesco, práticas de criação de filhos não baseadas no casal heterossexual e espaços autônomos para mulheres e pessoas não conformes de gênero.
F. Anarquistas tomarão como prioridade prover moradia e abrigo para pessoas fugindo de circunstâncias e relacionamentos abusivos.
G. Comunidades irão começar imediatamente, dentro do possível, a modificar as moradias para que sejam mais sustentáveis ecologicamente e modificarão os padrões da comunidade para que sejam ecologicamente e culturalmente satisfatórias, afastando-se da realidade presente em que a habitação existente corresponde aos imperativos do capitalismo. Como este processo pode levar décadas, comunidades deveriam desenvolver planos e trocar ideias para organizar a transição, levando em consideração que haverá uma rápida mudança dos combustíveis fósseis e mudanças na disponibilidade de diferentes materiais de construção.
H. Expulsar pessoas de suas casas é um ato traumatizante que não queremos isso seja parte do mundo que estamos construindo. No entanto, muitas comunidades historicamente oprimidas encontram-se vivendo em situações que encurtam diretamente suas vidas, ao passo que a habitação de pessoas ricas representa gerações de pilhagem acumulada; nesses casos, é melhor para eles tirar a casa daqueles que lucraram com sua miséria do que continuar na miséria. Sob o capitalismo, não existe o direito inalienável de permanecer em uma determinada casa, e não estamos fazendo uma revolução para dar aos ricos um direito que eles mesmos não defenderam enquato o sistema que eles criaram estava funcionando.
8. Alimentação
Um aspecto essencial do processo de acumulação capitalista é a industrialização e superexploração de produtores de comida, camponeses e outras formas de vida, tentando espremer uma mais valia que sempre cresce. Isso levou a atos de genocídio associados com a mercantilização da terra, a total destruição de sociedades camponesas, desmatamento, desertos de monoculturas, extinção em massa, poluição, mudança climática, zonas mortas nos oceanos, a destruição e mercantilização de comunidades de outros seres vivos, o assassinato do solo fértil e o aprisionamento sistematizado e tortura de animais. A forma como nos alimentamos é o vínculo que reúne como organizamos nossa sociedade e as relações que criamos com o ecossistema mais amplo.
A. Todo mundo tem o direito à comida que necessita para uma vida saudável e digna.
B. Ter certeza que todos têm acesso à comida é uma responsabilidade coletiva.
C. Colocar limites de forma arbitrária ou destruir a fonte de alimento da qual outras pessoas dependem em é um ataque à sua sobrevivência. As vítimas podem responder em legítima defesa.
D. Profissionais da indústria de alimentos, na hora da revolução, irão socializar os meios de produção sob seu controle com o propósito de garantir comida para todo mundo.
E. Comunidades começarão o processo de redistribuição de grandes extensões de terras agrícolas e de recuperação de terras em ambientes urbanos para permitir a soberania alimentar e compartilhar o acesso aos meios de alimentação.
F. A agricultura fará a transição do atual modelo dependente do petróleo e altamente industrializado para um modelo localizado e ecocentrado, projetado para cumprir dois propósitos: garantir a segurança alimentar e restaurar a saúde do planeta. A dieta humana será reposicionada em uma lógica ecossistêmica.
G. Tecnologias particularmente danosas como algumas máquinas agrícolas e armazéns de animais para a produção em escala industrial de carne e leite serão dissolvidas o mais rápido possível.
9. Saúde
Sob o capitalismo e o Estado, a assistência médica tem sido utilizada como uma forma de extorsão para manter os pobres na miséria e dívida, vigiados, disciplinados, controlados. A saúde é usada especialmente para torturar e controlar mulheres, pessoas trans, pessoas racializadas e com diferentes habilidades e diferenças mentais. Uma das principais críticas ao capitalismo é que nele as práticas que deveriam enfocar a cura funcionem como um local para crueldade e busca por lucro.
A. Toda pessoa tem direito a terapias preventivas e a condições de vida que lhe garantam a melhor saúde possível.
B. Todos têm o direito de definir por si próprios o que é saúde, em diálogo com a sua comunidade. Pessoas que compartilham uma experiência coletiva ou identidade relacionada a gênero, sexualidade, capacidade física, saúde mental, etnia ou qualquer outra coisa, podem desenvolver sua própria definição ou ideal de saúde; os membros desses grupos são livres para assinar essas definições ou não para assiná-las.
C. Toda pessoa tem o direito de alterar seu corpo, de acordo com sua expressão de gênero ou por qualquer motivo, como bem entender. As pessoas têm direito irrestrito a anticoncepcionais e ao aborto.
D. Nenhum profissional de saúde pode ser forçado a realizar um procedimento com o qual não concorda, mas negar a alguém o acesso a um procedimento médico é um atentado à sua autonomia corporal. O treinamento em habilidades relacionadas à saúde será disseminado tão amplamente quanto possível, para que ninguém fique na posição de controlar o acesso à saúde.
E. Toda pessoa tem direito a todo o tratamento disponível em sua comunidade ou a viajar em busca de melhores condições ou melhores opções de tratamento.
F. Profissionais da saúde socializarão os hospitais e outras instituições e infraestruturas à sua disposição no momento da revolução e farão o seu melhor para garantir o acesso contínuo aos cuidados de saúde, para universalizar e melhorar o acesso e a qualidade do tratamento, equalizar o tratamento para as populações historicamente marginalizadas, para facilitar os processos de reconciliação, para lidar com o abuso de tais populações pela profissão médica e reorganizar sua profissão para remover todas as influências capitalistas e organização elistista, enquanto ainda avalia as hierarquias internas para favorecer o treinamento e a experiência.
G. O tráfico na área da saúde, incluindo a ameaça de negar a assistência à saúde, é um ato de agressão.
H. Como parte do processo de autodefinição da saúde, anarquistas vão estimular a formação de assembleias que centrem as próprias necessidades e experiências das pessoas, rompendo com a tradição que estabelece os profissionais de saúde como protagonistas e as pessoas como meros receptáculos de doenças ou tratamentos. As pessoas irão compartilhar e aumentar o conhecimento de seus próprios corpos, valendo-se das ferramentas de que precisam para serem proativas e garantir a maior saúde e felicidade possíveis.
10. Educação
A educação pública atualmente tem sido usada para criar funcionários, soldados e cidadãos patrióticos, obedientes ao patriarcado e à supremacia branca. Antes dela, a educação católica na Europa e nas colônias foi usada para justificar o colonialismo e a autoridade do Estado. Tanto a educação pública quanto a privada estão ligadas ao abuso infantil sistemático. Ao contrário dos estereótipos classistas, as pessoas com maior educação formal costumam ser mais capazes de descartar fatos que contradizem seus preconceitos ou visão de mundo. A educação, tal como é hoje, é a pedra angular da opressão.
Por outro lado, a educação deve ser um processo interminável de crescimento e autorrealização. Anarquistas sempre estiveram na vanguarda da experimentação de modelos de educação libertadora que rompem com as fórmulas padrão da educação patriótica, patriarcal, colonial e capitalista.
A. O conhecimento deve ser gratuito; pertence a toda comunidade.
B. Todos devem ser capazes de acessar quaisquer oportunidades educacionais que desejem. Anarquistas encorajarão projetos específicos que acabem com as opressões que limitam o acesso das pessoas à educação por causa de seu gênero, sexualidade, raça, classe ou outras divisões. Os exemplos podem incluir treinamentos intensivos em áreas como matemática, ciências e mecânica para pessoas de grupos que foram historicamente desencorajados de entrar nessas áreas, ou cursos de história e literatura que centram as vozes e experiências de assuntos que não sejam homens brancos heterossexuais da classe alta. Esses projetos também irão implantar uma diversidade de ambientes de aprendizagem que não assumem um único padrão normativo de habilidades físicas e mentais.
C. Anarquistas ajudarão a garantir que grupos historicamente marginalizados possam obter os recursos de que precisam para identificar e desenvolver o corpo de conhecimento que é importante para sua comunidade específica e divulgá-lo como acharem adequado.
D. As crianças são livres para se envolver em ambientes educacionais como acharem adequado, em diálogo com suas comunidades. Crianças livres que têm todas as suas necessidades básicas satisfeitas estão constantemente empenhadas em sua própria educação, independentemente de o fazerem em um ambiente formal.
E. Professores e professoras que desejam continuar trabalhando como tais podem organizar a educação básica, mas anarquistas irão encorajar o surgimento de novos projetos baseados em modelos libertadores de educação ao invés da memorização mecânica ou a conclusão de módulos preconcebidos, especialmente projetos de auto-educação coletivos auto-organizados.
F. As profissões que se mostrarem úteis e desejáveis após o fim do capitalismo organizarão programas educacionais para formar novos profissionais, expropriando recursos de escolas e universidades ou ocupando espaços de ensino dentro delas, em diálogo com outras profissões.
G. As organizações científicas podem constituir-se para fornecer treinamento profissional em universidades e manter laboratórios e artigos revisados por pares. Eles vão discutir maneiras de levantar os recursos necessários para manter laboratórios e tecnologias necessárias sem capitalizar nos processos de produção de conhecimento. Uma solução possível é que a experimentação científica terá que responder às necessidades expressas pelas comunidades como um todo.
H. A educação avançada necessária para se tornar uma cientista é um presente da comunidade para o indivíduo; o conhecimento que cientistas ajudam a produzir deve ser um presente de volta à comunidade. Cientistas também devem honrar sua responsabilidade de compartilhar ferramentas para a educação o mais amplamente possível. O conhecimento científico e o treinamento não devem estar concentrados em poucas mãos. A boa ciência prospera com a ampla participação no processo de pesquisa e revisão. Para que a ciência viva, os cientistas devem parar de tratar outros seres humanos como objetos em uma placa de Petri e se concentrar em equipá-los para participarem desse processo.
I. Cientistas, professores e outros educadores facilitarão os processos de reconciliação para lidar com as formas de abuso das quais eles podem ter sido cúmplices antes da revolução, desde a facilitação da violência policial contra estudantes até o trabalho com empresas que causaram danos às pessoas. Cientistas credenciados que usaram seu conhecimento para fomentar o mercado de combustíveis fósseis, armamentos e indústrias semelhantes devem ser destituídos de sua legitimidade percebida da mesma forma que os médicos podem perder sua licença por negligência.
J. As associações de cientistas decidirão se realmente precisam usar alguma forma de licenciamento para garantir a qualidade de seu trabalho. A resposta pode não ser a mesma para cirurgiões cardíacos e botânicos. Isso implica um equilíbrio entre as necessidades dos cientistas para garantir padrões de qualidade, os interesses das pessoas em evitar monopólios ou barreiras que limitam o acesso ao conhecimento e treinamento, bem como a necessidade das pessoas de transparência – garantindo, por exemplo, que aqueles a quem confiam seus cuidados médicos ou projetos tecnológicos que podem poluir seu meio ambiente não foram perigosamente negligentes no passado. Associações de leigos também se organizarão para avaliar essas decisões.
11. Produção
Sob o capitalismo, a produção é um dos principais meios de acumulação de capital para os ricos – por meio do trabalho alienado, da exploração e da destruição do meio ambiente. Na anarquia, a única questão é como atender às necessidades socialmente definidas, que incluem desde a sobrevivência coletiva até a necessidade que as pessoas sentem de crescer e aproveitar a vida.
A. Ex-trabalhadores e ex-trabalhadoras ocuparão seus locais de trabalho o mais rápido possível, estudando se o local de trabalho (fábrica, oficina, escritório, loja, restaurante, etc.) pode ser modificado para produzir algo socialmente útil de maneira saudável. Caso contrário, o local de trabalho será desmontado e seus recursos compartilhados entre ex-trabalhadores, comunidades vizinhas e locais de trabalho úteis.
B. Os ex-trabalhadoras, vão expulsar gerentes ao mesmo tempo que recebem desempregados com habilidades importantes e que nunca tiveram acesso a um emprego sob o capitalismo, criarão alguma forma de estrutura coletiva, cooperativa ou comunal para organizar seus locais de trabalho, federando-se com outros locais de trabalho em sua indústria em a fim de supervisionar a produção de bens socialmente úteis.
C. Delegados dentro dessas federações produtivas devem ser confiados a um mandato coletivo específico (exercendo cargos surgidos de assembleias de base), essas posições devem ser imediatamente revogáveis se não forem cumpridas devidamente e a pessoa deve voltar a exercer seu ofício original. As assembleias de trabalhadoras e trabalhadores decidirão se as delegadas devem realizar seu trabalho normal diariamente ou se podem ser dispensadas por um número limitado de meses antes de retornar ao posto normal, conforme exigido pelas condições de sua atividade e as necessidades do trabalho federativo (por exemplo, os delegados podem ter que viajar longas distâncias e podem não ser capazes de trabalhar durante certos períodos).
D. Aqueles que desejam ser representantes profissionais, não realizando outro trabalho senão o de burocratas e políticos, podem formar suas próprias federações de representantes, nas quais representem a si próprios e a outrem da melhor maneira possível. Para tanto, recomenda-se que pintem o rosto de branco, usem narizes vermelhos, boinas e camisas listradas, viajem de comunidade em comunidade e realizem suas reuniões de comitês abertas ao público. As pessoas não precisam de burocratas, mas sempre precisaremos de entretenimento!
E. Ninguém pode ser forçado a trabalhar. Comunidades e federações produtivas farão todo o possível para operar de acordo com uma lógica de abundância, e não de escassez ou monopólio. As pessoas que desejam realizar trabalhos produtivos ou criativos em um ambiente ou forma mais individual serão incentivadas a fazê-lo e, na medida do possível, receberão o espaço e os recursos de que precisam, embora em momentos de absoluta escassez, como os anos difíceis da transição, as comunidades podem preferir locais de trabalho coletivos mais eficazes que estejam respondendo imediatamente a uma necessidade da comunidade.
F. A divisão das diferentes atividades produtivas por gênero é abolida. Anarquistas encorajam suas comunidades a refletirem sobre como as diferentes atividades úteis, necessárias e benéficas são reconhecidas e recompensadas com status de forma desigual, e propõem iniciativas ou novas tradições para eliminar esses vestígios de patriarcado.
G. Ex-trabalhadoras são encorajadas a transformar totalmente seus locais de trabalho, simplificando máquinas e ferramentas, se necessário, a fim de trabalhar em um ritmo mais seguro e criar um ambiente que seja saudável em termos de ruído, qualidade do ar, produtos químicos e trabalhos não-repetitivos.
H. Os locais de trabalho encontrarão um equilíbrio entre os desejos criativos ou produtivos dos membros, as necessidades das comunidades vizinhas e as necessidades da sociedade como um todo. Isso significa encorajar os artesãos em seu desenvolvimento criativo, certificando-se de não poluir as comunidades próximas com produtos químicos prejudiciais ou ruído excessivo, e procurar criar coisas que outros na sociedade precisam, embora abraçar a lógica da abundância signifique dar a esta última diretiva a interpretação mais ampla possível, exceto em casos de escassez aguda que ameaçam a sobrevivência de uma comunidade.
I. A infraestrutura de energia destrutiva será eliminada no ritmo mais seguro possível. Especialistas nas áreas relevantes serão incentivados a supervisionar o fechamento de usinas nucleares de acordo com um cronograma que deixa a menor quantidade de lixo altamente radioativo e o entupimento de poços de petróleo para que não contaminem os lençóis freáticos.
J. Em um cronograma menos urgente, as comunidades irão explorar o descomissionamento de projetos de “energia verde” altamente destrutivos que colocam em risco as populações de rios, pássaros migratórios e outros seres vivos. Este trabalho dependerá do desenvolvimento da produção de energia ecológica localizada e da redução drástica do uso geral de energia, parte da qual é o redesenho de edifícios para permitir o aquecimento e resfriamento solar passivo, um empreendimento exigente que não pode ser realizado em uma só década.
K. As comunidades decidirão quais tecnologias e quais tipos de experimentação científica e desenvolvimento apoiarão. Entretanto, em todos os casos, as comunidades e organizações científicas envolvidas devem ser capazes de absorver ou remediar todas as consequências negativas dessa tecnologia. Não há justificativa para minerar o território de outra pessoa ou criar substâncias tóxicas com as quais as gerações futuras terão de lidar.
12. Distribuição, Comunicação e Transporte
Devolver o poder à pessoas e comunidades tem um reflexo na organização dos bens materiais necessários à sobrevivência no nível local, por exemplo, por meio de princípios como a autonomia alimentar. Entretanto, o perigo da dependência em um sistema socioeconômico exploratório diminui drasticamente quando as pessoas conseguem encontrar a maioria de suas necessidades através de recursos e atividades de uma pequena rede local de comunidades. Para o restante dessas necessidades, bem como as coisas que tornam a vida mais agradável, talvez seja necessário organizar a distribuição em várias regiões do continente e além. Além disso, a viagem é extremamente importante em uma sociedade anarquista para reforçar a consciência global, encorajar a reciprocidade e a solidariedade, prevenir o surgimento de fronteiras e coletivizar o conhecimento tanto quanto for possível.
A. Todas as moedas apoiadas pelo estado estão abolidas. Todas as dívidas estão canceladas.
B. A troca de bens entre comunidade deve ser feita da maneira mais igualitária possível. Comunidades próximas podem preferir a uma troca livre ou um intercâmbio de presentes. As comunidades que não tem uma base de confiança, que torna o intercâmbio de presentes mais fácil, podem optar por usar uma transação de compensação; mas, negociar por lucro (comércio em série para captar um aumento de valor) ou cobrar juros no empréstimo de bens podem ser consideradas tentativas de coerção ou exploração.
C. As comunidades devem buscar autonomia alimentar, atendendo a maioria de suas necessidades de sobrevivência a partir de sua base local, mas além disso, as infraestruturas devem ser mantidas para encorajar as trocas e as viagens.
D. Trabalhadores do transporte, junto às comunidades afetadas, colaborarão para tornar a infraestrutura de transporte existente mais ecológica e sustentável possível, enquanto outras infraestruturas (como aeroportos e rodovias) serão desmanteladas.
E. As reservas de petróleo já extraídas e as infraestruturas existentes serão racionadas, dando prioridade à transição da produção agrícola, reparação de recursos globais e manutenção do acesso em áreas rurais sem transportes alternativos.
F. Comunidades, trabalhadores do transportes e aqueles envolvidos na luta contra a violência patriarcal no momento da revolução irão trabalhar juntos para garantir que as pessoas possam viajar livremente e de maneira segura, independente de seu gênero. Comunidades que possibilitarem ou permitirem violência contra a mulher ou pessoas de gênero não-conformista viajando por seus territórios serão consideradas uma agressão contra o resto do mundo.
G. As comunidades farão o seu melhor para manter as infraestruturas de comunicação existentes para que possam permanecer em contato para comunicar-se globalmente e compartilhar as experiências de seus processos revolucionários. A longo prazo, serão exploradas maneiras de manter as infraestruturas consideradas úteis com materiais recicláveis ou não prejudiciais. Elas também estudarão se os comportamentos aditivos e depressivos relacionados às tecnologias das redes sociais são intrínsecos à essas tecnologias ou uma respostas inadequada às alienações do capitalismo.
13. Resolução de Conflitos e Justiça Transformativa
As prisões e a polícia existem há muito tempo, destruindo pessoas e comunidades. Há maneiras de lidar com conflitos inevitáveis da existência social que veem as pessoas como capazes de crescimento, redenção e cura, e que são organizadas para atender às necessidades da comunidade ao invés de proteger um sistema de opressão e desigualdade. A revolução é um processo de destruição do poder do Estado; é também um processo de renascimento das comunidades reais. O capitalismo nos força a ser dependentes desses mecanismos para a nossa sobrevivência, mas uma vez abolido, nossa sobrevivência mais uma vez se torna algo que nós criamos coletivamente.
A. As comunidades são reconstruídas através de assembleias e outros espaços por meio dos quais organizam seus territórios e a sobrevivência de seus membros. Parte disso significa prestar contas para a comunidade cuja sobrevivência depende, e tomar parte da resolução saudável de conflitos, da cura de danos e restabelecimento de relações recíprocas.
B. As comunidades farão o seu melhor para possibilitar modos fluídos de ser e se relacionar que rompam as estruturas fechadas, patriarcais e micro-opressivas que são tradicionais em muitos lugares. Entretanto, nenhuma margem de manobra precisa ser dada ao conceito dominante de fluidez do capitalismo tardio, no qual as pessoas se movimentam pelo espaço sem nunca reconhecer suas relações, seu impacto sobre os outros, ou o simples fato que sua sobrevivência não é sua propriedade pessoal.
C. As pessoas envolvidas na mediação, resolução de conflitos e justiça transformativa dividirão recursos e encorajarão as comunidades a lidar com o conflitos e danos de uma maneira restaurativa que promova a cura e a reconciliação. Também nos certificaremos de que a carga desse trabalho não caia desproporcionalmente nas linhas de gênero.
D. As comunidade definirão normas e limites em torno dos comportamentos prejudiciais, mas anarquistas os encorajarão a desenvolver práticas centradas no diálogo e nos processos de cura e reconciliação, ao invés da codificação de comportamentos proibidos e punição.
E. As comunidades que já tiverem tradições de medicação e processos reconciliatórios são incentivadas a compartilhar suas experiências como acharem adequado.
F. Todas as prisões serão desmanteladas, com as comunidades recebendo ex-presos que foram condenados por ferir outras pessoas e se comprometendo a trabalhar com eles para explorar as circunstâncias em torno do dano.
G. Comitês de pessoas experientes em justiça transformativa trabalharão com ex-presos que não tiverem sido acolhidos e avalizados por nenhuma comunidade, junto com as comunidades prejudicadas por eles, para tentar encontrar uma solução.
H. Dado que a oposição total as prisões não é uma posição generalizada, anarquistas organizarão debates sobre outras respostas possíveis aos piores cenários de dano – a minoria dos casos em que pessoas repetidamente matam, abusam ou vitimizam outros. Uma proposta possível é sempre favorecer a reconciliação com todos os recursos possíveis, mas nunca deslegitimar atos autônomos de autodefesa ou vingança, especialmente em casos em que a reconciliação não é um resultado realista.
I. Será dada atenção especial para todos os atos de violência de gênero e sexual, especialmente aqueles que foram normalizados sob o regime patriarcal punitivo que deve ser abolido. As pessoas ativas na oposição a tal violência sugerirão estruturas apropriadas e práticas a serem adotadas pelas comunidades.
14. Segurança
O Estado se alimenta da mentira de que segurança e liberdade constituem uma dicotomia, duas coisas que existem em proporção inversa e que devemos sacrificá-las numa mesma medida para alcançar um equilíbrio. Como a segurança está ligada à sobrevivência, o Estado pode nos convencer que não poderíamos aproveitar o pouco de liberdade que temos se não priorizássemos a segurança e aceitarmos a sua proteção.
Na verdade, nossa sobrevivência, nossa segurança e nossa liberdade dependem de quão bem conseguimos cuidar umas das outras e não de quão altos são os muros que construímos à nossa volta. Enquanto o Estado existir, mesmo que apenas como uma projeção nas mentes daqueles sedentos por poder, teremos que nos defender dos que querem nos subjugar e nos explorar. Às vezes, também teremos que nos defender daqueles que causam dano por não reconhecerem os limites nas outras pessoas, por não terem empatia, ou por não perceberem as consequências de suas próprias ações. A forma como organizamos a nossa defesa pode ser perigoso para a nossa liberdade. Outro desafio é compreender perigos e conflitos de uma maneira transformadora para nós e para as outras pessoas envolvidas, ao invés de fixar nossos antagonistas como inimigos permanentes que devem ser destruídos.
A. Todas as forças policiais são abolidas e seus membros devem participar em processos de reconciliação para lidar com o dano que causaram. Aqueles que se recusarem poderão ser vistos como paramilitares estatistas.
B. As comunidades poderão criar alguma forma de serviço voluntário para proteção contra várias formas de agressão e dano interpessoal. No entanto, a fim de prevenir o surgimento de qualquer coisa nova semelhante à uma força policial, qualquer que seja a forma que esse serviço tome, deverá focar na redução do conflito e na reconciliação ao invés de punição; deverá focar em convocar o resto da comunidade para lidar com o conflito ou dano causado ao invés de monopolizar a resposta; e seus participantes não devem ter privilégios especiais em termos de direitos de uso da força ou acesso à armas que o resto da comunidades não tenha.
C. As comunidades são encorajadas a criar algum tipo de grupo de proteção, tradição, ou estrutura especificamente desenhada para responder e lidar com a violência de gênero em todas as suas formas. Poderá ser desejável que essa força seja composta por pessoas que não sejam homens cis.
D. Como o Estado não será abolido em todos os lugares ao mesmo tempo e como muitas comunidades com valores hierárquicos poderão seguir existindo e poderão tentar subordinar comunidades vizinhas à sua vontade, poderá ser necessário criar milícias anarquistas ou outros tipos de unidades de combate – tanto para defender um território livre quanto para se engajar em guerrilha revolucionária contra um território estatista, imperialista. Para serem chamados de “milícias livres” e “guerrilha revolucionária”, esses grupos devem estar dedicados a vários princípios que os distinguem de exércitos estatistas. Agarrar-se simplesmente em uma bandeira vermelha não é o suficiente. As combatentes devem ser voluntárias; devem poder escolher suas próprias lideranças e estruturas de comando. Não podem haver oficiais com privilégios aristocráticos. A força inteira deve decidir conjuntamente as medidas aceitáveis de disciplina. Assembleias que transcendam as milícias livres – por exemplo, federações de comunidades de onde as combatentes vem – irão decidir os objetivos estratégicos mais amplos e guias de conduta humanitários. Em outras palavras as milícias não podem ser totalmente autônomas: elas existem para defender as necessidades de comunidades mais amplas, ao invés de dominar essas comunidades ou promoverem seus próprios interesses em qualquer coisa para além do nível tático.
E. Milícias livres irão evitar a lógica da guerra territorial e agressiva, na qual o objetivo é conquistar um espaço definido como o território inimigo. O objetivo deve ser ou o conflito defensivo, a defesa de comunidades e a dissuadir outros de atacarem, ou o conflito revolucionário, apoiando pessoas que estão lutando por sua liberdade em uma sociedade opressiva. Em último caso, a iniciativa deve vir desse grupo de pessoas oprimidas e não deve ser organizado primeiramente pelas milícias de um território vizinho.
F. Comunidades livres não tentam eliminar ou aniquilar seus inimigos. Elas defendem sua liberdade e seu território, apoiando outras a fazerem o mesmo, e então tentam fazer amizade ou, no mínimo, fazer a paz.
G. Segurança, em uma abordagem anarquista, não é a proteção dos fracos pelos fortes, é o empoderamento e o cultivo da capacidade de autodefesa de todas, dando prioridade àquelas pessoas especificamente desempoderadas sobre as condições atuais de opressão em função da socialização de gênero, racialização, ou de diferenças físicas e psicológicas.
H. Paz, em uma abordagem anarquista, não é simplesmente a ausência de conflito armado, especialmente quando essa ausência indica a aceitação da opressão. Paz é um esforço proativo e a consequência da felicidade, da liberdade e da autorrealização, o que esperamos que esse programa irá fomentar mais do que o capitalismo jamais fez. Anarquistas irão encorajar comunidades à se engajarem e realizarem trocas não apenas com comunidades vizinhas, mas transcontinentalmente, compartilhando e criando laços culturais, afinidades e amizades em uma escala global de forma a fazer com que as guerras de conquista e aniquilação que Estados vem praticando a milênios sejam inconcebíveis.
15. Organização e Coordenação Comunitária
Em oposição à cidadania compulsória e à tomada de decisão ditatorial ou representativa que impõe leis homogeneizadoras a toda a sociedade, o anarquismo postula os princípios de associação voluntária e auto-organização, o que significa que as pessoas são livres para se formar em grupos de sua escolha, para organizar esses grupos como bem entenderem e para ordenar a vida no dia a dia, com a participação de todos.
A. Cada comunidade é autônoma e livre para organizar seus próprios assuntos. Cada comunidade deve desenvolver seus próprios métodos e estruturas de organização e subsistência.
B. Anarquistas encorajam modelos que priorizam o bem-estar e evitam o ressurgimento da organização estatista, incluindo a economia da dádiva dentro das comunidades e formas redundantes de organização que evitam a centralização do poder, como combinações de assembleias territoriais federadas, assembleias de local de trabalho organizações infraestruturais e organizações profissionais e educacionais. O objetivo é unir as pessoas em uma multiplicidade de espaços organizacionais. Dessa forma, muitos modelos organizacionais e culturas diferentes podem ser postos em prática, uma vez que nenhum é neutro ou igualmente acessível a todas as pessoas; o conflito é mediado pela multiplicação de relações por meio de numerosos vínculos organizacionais e territoriais; e o surgimento de uma classe política hábil em manipular assembleias e que prospera no espaço alienado da política é desencorajado. Se não há um espaço centralizador onde todas as decisões e autoridades tenha monopólio da legitimidade, por mais participativos que esses espaços pareçam, não é possível haver classe política. Essa é a diferença entre democracia e anarquia — sem mencionar o fato de que o anarquismo historicamente se opôs à escravidão, ao capitalismo, ao patriarcado, ao imperialismo e assim por diante, ao passo que a democracia muitas vezes se baseou nessas práticas.
C. Para evitar o retorno da dinâmica autoritária sob o disfarce de democracia, anarquistas fariam bem em facilitar os processos comunitários explorando como os mecanismos formais e informais de tomada de decisão distribuem o poder de gênero e como os espaços informais e não legitimados são vitais para o organização da vida diária — mas também identificando quais espaços informais permitem a centralização do poder e estudando como diferentes formas de organizar, abrir e difundir os espaços formais podem servir para prevenir ao invés de facilitar a centralização do poder.
D. Como regra geral, o único momento em que é aceitável intervir nos assuntos de uma comunidade vizinha é em questões de legítima defesa, quando eles não respeitam a necessidade de liberdade e sobrevivência digna de sua vizinhança.
E. Quando uma comunidade não respeita a necessidade de comida, água, abrigo, saúde e integridade física de seus membros, é bom que as comunidades vizinhas ofereçam suporte e refúgio para essas membros. As comunidades vizinhas podem apoiar esforços das membros oprimidas ou exploradas dessa primeira comunidade para acabar com sua opressão, mas a tarefa de liberação deve sempre ser daquelas diretamente afetadas pela opressão. Comunidades devem tentar evitar intervirem diretamente ou forçadamente nas questões de suas vizinhas.
F. Comunidades devem empenhar-se em aceitar as inevitáveis diferenças que terão com suas vizinhas, buscando fomentar relações de diálogo e paz. No caso de comunidades que não respeitam a dignidade e a sobrevivência das outras, poderá ser preferível buscar mediação ou cortar relações ao invés de avançar para o conflito físico.
G. Muitas comunidades irão encontrar a necessidade de se juntar em grandes associações para questões de cultura, produção e distribuição ou para compartilhar recursos comuns. É preferível formar federações livres ou associações que mantenham o poder no nível local, enquanto também criam vínculos organizacionais múltiplos e transversais para que cada pessoa em cada comunidade seja membro de múltiplos grupos – por exemplo, o corpo coordenador da proteção à uma bacia hidrográfica, um grupo cultural linguístico, uma associação científica e sistema universitário, um sindicato de produtoras e consumidoras para o compartilhamento de recursos, e uma confederação territorial. Dessa forma, cada comunidade tem uma rica teia de relações, e em caso de conflito, as disputas não se fraturam em dois lados beligerantes, mas todo mundo está conectado por outras relações havendo, então, abundância de mediadoras e um interesse geral em preservar a paz.
16. O Planeta
O capitalismo trouxe o planeta à beira do colapso. Não é o suficiente destruir o capitalismo. Devemos também erradicar a maneira capitalista ocidental de nos relacionarmos com a terra em favor de relações saudáveis, recíprocas e ecocentradas. E devemos fazer tudo o que for possível para curar o planeta e todas as comunidades vivas que o compartilham.
A. É nossa responsabilidade ajudar o planeta a se curar e ajudar a garantir a sobrevivência e continuidade de todas as comunidades vivas.
B. As comunidades irão cuidar de seus territórios da melhor maneira possível para remediar a destruição e a poluição causadas pelo capitalismo, identificar e proteger espécies e ecossistemas que estão em perigo, promover a reconstituição de espaços e se conceber como parte do ecossistema.
C. Comunidades e associações científicas irão reunir recursos e compartilhar informações para rastrear problemas de preocupação global, como gases do efeito estufa, espécies em extinção, zonas mortas e poluição de plásticos nos oceanos, radiação e outras formas de poluição a longo prazo. Elas estabelecerão metas e fazer recomendações para comunidades específicas e confederações territoriais com o objetivo de amenizar esses problemas da maneira mais completa e justa possível.
Glossário
Comunidade
Uma comunidade é um grupo de pessoas que vivem juntas, criando mutuamente sua sobrevivência material e cultural. Como as comunidades se definem e se organizam, é difícil dar a elas uma definição específica. Em alguns casos, comunidade se refere à um grupo menor, entre 30-150 pessoas, que se coordena mais de perto para atividades diárias, aproveitando o pequeno número e os relacionamentos próximos para decidir suas atividades suavemente e horizontalmente. Em outros casos, pode se referir também à supracomunidade de várias, dezenas ou até centenas de comunidades que dividem línguas e culturas em comum e uma identificação com um território e que, consequentemente, se coordenam para questões de subsistência, infraestrutura, educação, entre outras.
Em alguns casos do texto, comunidades vivas não se refere exclusivamente a seres humanos, mas a todos os seres vivos existentes em uma rede de relações.
Excedente de Riqueza
As comunidades devem decidir por si mesmas o que constitui excedente de riqueza ou uma pessoa rica. Entretanto, a intenção nesse texto não é de modo algum seguir os passos do populismo de esquerda e focar nossa desaprovação nos bilionários e até mesmo milionários. Pelo contrário, achamos que o padrão deve ser muito mais baixo. Para determinar a riqueza, sugerimos a diretriz como ter três vezes mais riqueza do que a média de uma determinada região (por exemplo, aqueles que ganham mais de três vezes o salário médio em seu país antes da abolição do capitalismo e dos estados-nação). Excesso de riqueza, depois da abolição do dinheiro é tudo que uma pessoa rica possui que não é necessário para sua sobrevivência digna, especialmente o que ela usou para se destacar ostensivamente da média.
Gestores
Um gestor é alguém cujo trabalho é monitorar e disciplinar outros trabalhadores com o objetivo de aumentar sua produtividade e facilitar a sua exploração. Em cada local de trabalho, as pessoas podem decidir se uma pessoa fez algo genuinamente útil antes da revolução e se uma parte ou a totalidade da sua categoria de trabalho pode ser resgatada.
Direitos
Neste documento nós não usamos o conceito de direitos à moda cristã ou liberal, como uma série de propriedades garantidas por deus ou pela natureza, nem à moda estadista, como uma lista de oportunidades que o estado deve assegurar à todos os seus cidadãos. Utilizamos estritamente no sentido ético antiautoritário: coisas que consideramos certo que as pessoas tenham, carreguem ou defendam, tanto que lutaríamos ao lado delas para protegê-las ou recuperar essas coisas se elas estivessem ameaçadas.
Território
Não entendemos território como um espaço morto, bidimensional demarcado em um mapa, com fronteiras e uma área fixa. O território é a terra, está vivo, é uma rede de relações. A única reivindicação legítima que um povo tem de um território é se elas fazem parte dessa rede de relações e ajudam a manter essa rede viva e vibrante. Pois, a memória e uma parte importante para se conhecer e respeitar um território, povos que tem uma forte relação com um território e são forçadas a saírem dessa terra ainda mantém uma relação com ele.
Além disso, território implica movimento. Esta não é uma proposta para distribuir igualmente parcelas entre comunidades altamente intercambiáveis. Todo território é específico, e o jeito mais saudável de se relacionar com o território mudará de região para região. Os modos de vida nômades e não-nômades são tão legítimos quanto os sedentários, intimamente conectadas com o território, excluindo, claro, aqueles baseados na propriedade privada e exploração. Seguindo essa lógica, as reivindicações de território podem e se sobrepõem com diferentes grupos realizando diferentes atividades relacionadas a subsistência, espiritualidade, brincadeiras e afins em diferentes momentos e de diferentes maneiras.
Transição
A única maneira de transição referida nesse texto descreve a transformação de uma infraestrutura capitalista existente em um tipo de infraestrutura condizente com uma sociedade livre. Trata-se simplesmente de um reconhecimento que esse processo envolverá dificuldades e muito esforço para tornar realidade a universalização da alimentação, de moradia e da saúde, por meio de infraestruturas e prática produtivas que não prejudiquem o planeta. Não contemplamos nenhuma forma de Estado transicional. O Estado nunca desaparece sozinho, ele deve ser destruído.
Trabalhadores/Trabalhadoras/Trabalhadorxs
No capitalismo, trabalhadoras é o termo que define uma categoria alienada: somos aqueles que vendem nossas atividades para comprar de volta uma pequena parte do valor produzidos por nós. Somos nós que realizamos o trabalho que dá vida à sociedade; mas é importante ressaltar não buscamos nos identificar com a nossa alienação, com o que faz de nós trabalhadores, mas sim abolir tal identidade, especialmente porque no capitalismo, o trabalho cria tantas coisas inúteis ou danosas e se organiza de forma que tende a ser terrível para a nossa saúde. Ex-trabalhadoras, então, são pessoas que foram forçados a serem trabalhadoras no capitalismo, mas que com a abolição do capitalismo, aboliram a categoria de trabalho remunerado e outros trabalhos compulsórios. Elas podem merecer alguma legitimação especial quando se trata de expropriar os recursos de seus antigos trabalhos ou indústria; como qualquer pessoa, eles estão engajados em transformar a atividade humana a fim de criar abundância para todos e obscurecer as distinções entre aprender, trabalhar e brincar.
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No original, é utilizado o termo “Anti-Negritude”, termo criado nos EUA para definir o racismo exclusivamente contra afrodescendentes, o que, segundo críticos como Asad Haider, impede formas de solidariedade entre outros grupos sofrendo também racismo: imigrantes em geral, latinos, asiáticos, etc. e parte para um essencialismo de raça, além de uma análise que vê um racismo como um fim em si mesmo e não parte de uma estrutura de exploração capitalista. Se o objetivo é abordar o antirracismo amplo, optamos por traduzir como racismo mesmo. ↩